Vida no metaverso: como a realidade virtual poderá afetar a percepção do mundo ao redor

Os debates sobre as definições e as fronteiras entre os conceitos ainda estão abertos, mas a popularização do metaverso deve representar um passo seguinte à realidade virtual (também definida como a sensação de imersão viabilizada por óculos 3D e visão 360°) e a outras tecnologias, como a realidade aumentada (que une elementos virtuais e paisagens reais. Um exemplo é o game Pokémon Go).

Plataformas de games como Fortnite e Roblox já são tipos de metaverso — e têm gerações mais novas imersas neles. A Microsoft também desenvolve o seu, o Mesh for Teams, focado no trabalho: um mundo virtual como ferramenta corporativa. O projeto de metaverso de Zuckerberg é mais amplo.

“Nós acreditamos que o metaverso será o sucessor da internet móvel”, declarou ele no evento de divulgação da Meta. As implicações no mundo, se essa previsão se concretizar, podem ter consideráveis repercussões dado que mais de 4 bilhões de pessoas no mundo se valem do celular para conexão a web e a apps.

Facebook demonstra protótipo de luva tátil com foco no metaverso
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Facebook demonstra protótipo de luva tátil com foco no metaversohttps://d53271d81d68c17701e092f2cbfc654f.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

Novas experiências

Atualmente o tempo gasto com telas já é bastante questionado. A empresa de análise App Annie diz que, nos últimos dois anos, o uso diário em aplicativos móveis subiu 45%, impulsionado pela pandemia — o líder no levantamento é o Brasil, com média de 5,4 horas por dia e 30% de aumento.

O cientista Jeremy Bailenson, diretor-fundador do laboratório que estuda realidade virtual na Universidade Stanford, nos Estados Unidos, diz em seu livro de 2018 Experience on Demand (Experiência sob Demanda, em inglês) que o tempo passado com óculos “é psicologicamente muito mais poderoso do que qualquer mídia já inventada e se prepara para transformar dramaticamente as nossas vidas”.

Com outras formas de representação, quase sempre estamos cientes da artificialidade das sensações, afirma Bailenson. Na realidade virtual, as fronteiras começam a ficar um pouco confusas: os equipamentos de hoje já proporcionam uma imersão significativa — e o avanço da tecnologia nos próximos anos promete experiências mais poderosas.

“Nosso cérebro fica confuso o suficiente para entender esses sinais como realidade? Onde quer que você entre na discussão ‘um meio pode influenciar o nosso comportamento?’, eu posso te garantir: a realidade virtual influencia. Há muitas pesquisas, realizadas por décadas em meu laboratório e em outros lugares do mundo, que demonstram esses efeitos”, analisa o cientista.https://d53271d81d68c17701e092f2cbfc654f.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

“Para algumas pessoas, a ilusão é tão poderosa que o sistema límbico [região do cérebro envolvida com emoções e memória] delas entra em um estado de atividade intensa.”

Bailenson relata um tour dado a Mark Zuckerberg em 2014 em que demonstrou experimentos de seu laboratório e uma conversa na qual “alertou sobre os atuais custos sociais do vício generalizado em sedutores mundos de fantasia, pornografia e videogames e como esses custos serão multiplicados em uma mídia poderosamente imersiva”.

Poucas semanas depois do encontro, o Facebook, hoje Meta, anunciou a compra por US$ 2 bilhões de um fabricante de óculos de realidade virtual, a Oculus VR.

Imersos no metaverso

Devemos ficar preocupados? Bailenson, que é um entusiasta das possibilidades da realidade virtual e a vê como instrumento para empatia, diz à BBC News Brasil que “a palavra ‘cautela’ é mais apropriada do que preocupação”.

“Nós devemos estar vigilantes, ler os termos de privacidade [de um produto como o metaverso], não usando a realidade virtual cegamente para todas as atividades e observando algumas regras de segurança.”

Uma de suas recomendações é limitar a duração de imersão com os óculos a 30 minutos. Uso excessivo causa enjoo e fadiga ocular. Associações de oftalmologia no Reino Unido e nos EUA, no entanto, ainda não encontraram evidências de danos permanentes aos olhos. Mas pedem estudos de longo prazo.https://d53271d81d68c17701e092f2cbfc654f.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

Em 2014, um psicólogo da Universidade de Hamburgo, na Alemanha, passou 24 horas em uma sala de realidade virtual em condições monitoradas e relatou que houve desorientação “sobre estar em um ambiente virtual ou no mundo real” e confusão a respeito de “certos artefatos e eventos entre os dois mundos”.

Três anos depois, uma dupla estabeleceu um recorde no Guinness ao assistir a 50 horas seguidas de conteúdo em realidade virtual. Um dos participantes, Alejandro Fragoso, relatou que se sentiu “absolutamente horrível” e “desconectado do mundo real e da passagem do tempo”.

Um dia no metaverso

Maratonas como esses experimentos são exceção, mas o plano descrito por Zuckerberg leva diversas esferas da vida para dentro do metaverso, o que ocuparia parte significativa das 24 horas do dia.

A Meta enviou um comunicado dizendo que “o metaverso ainda está um pouco distante e não será construído da noite para o dia”.

“A Meta vai dialogar com legisladores, especialistas, acadêmicos, sociedade civil e parceiros da indústria para ajudar a dar vida ao metaverso, que funcionará como uma combinação híbrida das experiências sociais online atuais, às vezes expandidas em três dimensões ou se projetando no mundo físico. Não é necessariamente sobre passar mais tempo online, mas tornar mais significativo o tempo que você está online”.https://d53271d81d68c17701e092f2cbfc654f.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

Também declarou que “o metaverso é a próxima evolução em uma longa jornada de tecnologias sociais. A Meta não construirá, não será a dona e nem poderá realizar sozinha o metaverso. A construção do metaverso será similar ao processo que levou à criação da internet, e não ao lançamento de um app individual”.

Douglas Rushkoff, estudioso da cultura digital e autor do livro Team Human (Time Humano, em tradução livre), afirma à BBC News Brasil que “há uma ideia de que gostaríamos de trabalhar, ter entretenimento, exercícios e atividade criativa nesses espaços virtuais ou de realidade aumentada. Isso pode ter sido bom durante a pandemia de covid, mas há muitas desvantagens que isso se torne permanente”.

“Acho que as pessoas se comunicam umas com as outras de maneiras sutis. O modo como trabalhamos e como fazemos amor é mais complicada do que essas simulações podem proporcionar”, diz.

Fronteiras diluídas

Alvaro Machado Dias, neurocientista especializado em novas tecnologias e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), entende que “a gente já vem de uma fase de diluição entre o online e o offline”.

“Existe um ponto em que não há mais capacidade intencional de separar esses mundos. A gente vive num ambiente em que tecnologia digital é muito parte da nossa cultura”, diz.https://d53271d81d68c17701e092f2cbfc654f.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

Ele, no entanto, considera que o modelo de negócios da Meta pode representar uma barreira para sua popularização.

“Óculos são desconfortáveis e dão vertigem. Não acho que as saídas futuras mais fortes serão com o uso massificado de óculos”.

Ele vê mais chances de sucesso no conceito de realidade aumentada da Disney, que envolverá tanto os parques quanto sua plataforma de streaming, e no projeto da Microsoft de criar um metaverso corporativo.

Segundo Machado Dias, “há muito tempo o Facebook vem buscando caminhos para ter domínio sobre a plataforma em que seu software é usado”.

A decisão da Apple de limitar o rastreamento de informações do usuário por aplicativos do iPhone representou problemas para a forma como o Facebook conseguia seu faturamento — propagandas definidas por algoritmo. O iPhone é majoritário no mercado norte-americano e atrai clientes de poder aquisitivo maior.

“A solução ideal, então, seria ter um novo mundo como plataforma, independente do celular. O modelo de metaverso do Facebook responde a esse desafio de mercado.”

As dificuldades de Zuckerberg

Há um outro obstáculo: a reputação da empresa.

Douglas Rushkoff considera as críticas e o acúmulo de controvérsias em torno de Zuckerberg como um fator limitante para a popularização do seu metaverso.https://d53271d81d68c17701e092f2cbfc654f.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

“Acho que as pessoas entendem que o Facebook está desaparecendo em muitas maneiras, particularmente quando veem desvantagens e más intenções. [O nome] ‘Meta’ é uma maneira de a empresa se reposicionar em uma indústria diferente. Mas há algo de desespero nisso.”

Mas, para Rushkoff, “as pessoas podem ser estúpidas, especialmente quando alguém mostra a elas algo bonito. Ninguém confia em Zuckerberg, mas ninguém sente que tem muito a perder”.

No últimos anos, ex-funcionários do Facebook têm vindo a público com relatos de que a companhia não toma atitudes sobre problemas em suas redes sociais, como a influência prejudicial na saúde mental de adolescentes, o papel na propagação de fake news e o vazamento de dados pessoais de usuários.

Em diversas oportunidades, Zuckerberg pediu desculpas sobre os fatos apontados e disse que a companhia precisava melhorar.

Bailenson, do laboratório de realidade virtual na Universidade Stanford, quando questionado sobre a apresentação do metaverso feita por Zuckerberg e se a impressão sobre o criador do Facebook mudou desde o encontro em 2014, afirmou que “continua a conversar com líderes de corporações e governos na tentativa de guiá-los sobre as provações e tribulações da realidade virtual”.

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